quinta-feira, 9 de novembro de 2017

tenho quatrocentos motivos pra me orgulhar de mim.
domínio público

eu venho tentando ler mais
pra poder roubar idéias que não sou capaz de ter.
percebo que é antropofagia,
o que eu pego
já veio de outro
e quando eu publicar
outro há de usurpar,
por isso a poesia não muda
as pessoas não sentem nada,
só são muito dependentes umas das outras
e os sentimentos reais
aqueles dos quais nos escondemos
são bonitos em museu.
é assim que eu imagino o futuro,
ao invés de tinta e tela
amor, ódio, ternura
sei lá mais o quê.
hoje em dia as minhas palavras
mostram o que outros pensaram antes de mim
mas ora, não é sempre assim que a banda toca?
quando foi a última vez que de fato vimos algo original,
ao natural,
assim, do nada?
eu tenho mesmo dificuldade de sentir
porque de ser eu já me basto
e é cansativo conviver com tudo isso,
não penso mais, por isso leio
pra que outros elogiem o que faço e digam
nossa,
você se parece tanto com Drummond,
ou Leminski
porra,
pareço, é mole!
a vida toda roubando esses caras
tão mais especiais e inteligentes que eu
pra tu dizer que eu pareço,
eu queria ser eles,
isso sim!
me chamar Manuel bandeira,
me chamar Mário Quintana
ser melhor que eu
mas não consigo
é uma teia de aranha de mediocridade
aí tento tocar neles,
inclusive fisicamente
por serem meus heróis.
outro dia vi Adélia prado na televisão,
fiquei feliz dela estar viva,
mas contando os dias pro seu próximo lançamento
aí posso assaltar as palavras com a sede de mil mendigos
e penso que vai concordar quando digo

não é plágio se você não for feliz.
recuperação

tenho pensado muito em não morrer.
eu tenho muito o que realizar,
tive um ataque de pânico numa livraria ontem
muitos livros pra ler
vai que eu morro amanhã
chego no umbral
a alma imunda
e ainda ignorante!
os anjos todos literários,
falando galego,
trovas entoando
e eu ali,
sem entender Gregório de Mattos
sem entender porra nenhuma de romantismo,
não sabia direito quem era Margaret Thatcher
não tinha visto o último filme do costa gavras
gravas
graves,
isso é grave, pensei eu em desespero
será que nas casas de cura
tem explicador?
será que eu serei ensinado pelos meus antepassados
a não parecer ultrapassado?

tenho pensado muito em não morrer
imagina só,
eu com um monte de coisa pra fazer
artes,
musica,
vendaval de informações
que reuni dos mecanismos de busca da internet,
quando eu chegar lá no nirvana
pegar meu certificado de Buda,
os gordinhos de olhinho puxado vão comentar que eu não aprendi as funções quadráticas,
que repeti várias vezes o colégio por causa da maconha,
que esqueço aniversários o tempo todo
que não fui tão engraçado assim.
tenho ataques de ansiedade dentro de elevadores
e fora deles,
pra cima e pra baixo
não tenho paciência
não sei o que fazer.

seco o suor do rosto nesse momento funesto,
e guardo o guardanapo.
quem sabe vale alguma coisa
o suor moderno do homem analítico
neurótico

não sabemos nada.


por isso tenho pensado tanto em não morrer.
antidepressivo

procurei nosso lugar nesse mundo
mas só achei o que os filmes me contavam
eles serviam bem pra emular sentimentos
que eu não tinha.
mais ainda,
serviam pra me tirar do frio
do escuro
do sozinho.
mas procurei
e encontrei muitas coisas nas reflexões
que temos um monte de coisas
mas sempre dizemos que nada temos.
vai ver esse é nosso lugar,
um lugar no mundo que é só pra reclamar
do nosso lugar,
é muito apertado,
é muito quente,
tem muita gente,
não tem ar
me ajuda
e ninguém vem.
vai ver esse é nosso lugar,
chorar e chorar demais

por aqueles dias que ninguém vem.
confissão

eu não sabia se já tinha amado alguém
tudo me parecia velho.
eu tinha tanta coisa pra viver,
mas só sabia duvidar.

olhava em volta para minhas coisas pequenas.
tinha fotos de quando eu tinha sete anos
descabelado,
sem preocupações,
tinha DVDs que ainda não vi,
copos comemorativos, remédios dos quais dependo
tudo apoiado em estantes com origamis e muita poeira.
e tudo aquilo só me mostrava que eu não sabia se já tinha amado alguém,
eu falava sozinho sobre isso às vezes,
eu juro que não sabia se já tinha amado alguém.
me importado claro, todo o tempo,
tenho um certo senso de justiça atrelado à personalidade
que nunca entendi perfeitamente.
também conversava com muita gente
procurando entender seus problemas
e me compadecer,
mas ainda não sabia nada da vida.

eu tinha o tempo todo à minha total disposição
usava ele como escravo,
mas estragava os minutos com coisas sem nexo
jogos eletrônicos
sexo,
escrever poemas,
como se fosse fácil escrever poemas.
poesia é uma coisa raríssima,
encontrar beleza nas maiores sarjetas da lembrança,
encontrar beleza na lembrança,
eu só sabia existir,
não me lembrava se já tinha amado alguém.
já nem sabia se já tinha amado os pais
os irmãos,
ou até mesmo as coisas do dia a dia,
sorvete,
pernas abertas,
cerveja.

eu imploro para que acreditem
que eu não lembrava se já tinha amado alguém
e se for muito ofensivo para quem lê
saiba que não é minha intenção ser tão íntimo
é mais uma frustração mesmo,
até escrevendo isso já me sinto bem melhor,
acho que só amei a mim
e pra mim já basta
mas você precisa, lá no fundo
de alguém em dois momentos que podem lhe fazer falta.
na primeira gripe
e na primeira morte.
aí é que você sabe de verdade
não se já tinha amado alguém
mas se tem alguém no seu mundo

se perguntando a mesma coisa.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

índio

os nativos, verdadeiros donos desta terra
são amarrados pelas ideologias
pelo valor do dinheiro
pelo tempo
pela morte
e quem somos nós nisso tudo
senão instrumentos,
cordas,
armas,
os minutos e os dias
somos aquilo que envenena,
que mais uma vez
se engana de ser grande
quando na verdade somos grão de areia.
os nativos, verdadeiros caçadores
matam aquilo que comem
sustentam
assimilam a perda
fazem orações pelos que se vão
enquanto nós somos a perda,
porque dela nada tiramos
não nos amamos,
não enxergamos,
não somos nada.
somos o vento que passa empoeirado
carregamos conosco as poesias,
as boas frases
as boas comidas e bebidas
enquanto ratos
somos ladrões de nós mesmos
e de outros
chegamos e sem culpa
nos deleitamos na terra usurpada
e sem caminho
nos estabelecemos no véu da ganância
e sobra pro resto
o resto.

quando nos cansamos,
vamos,
saímos,
rindo do tempo perdido
mas quem são eles,
senão os mestres da própria verdade,
que procuram nas garrafas as respostas,
que procuram nas tristezas
algumas coisas que nós também temos
somos tristes,
somos deprimidos
mas procuramos nossa perdição.

os nativos, donos legítimos do teu teto
do teu chão,
dos processos,
esses não tem um descanso,
pois morrem várias vezes
e não só uma,
não tem paz,
obrigados a usarem bermudas,
camisetas,
esconder o que pero vaz chamou de vergonhas
ora,
e nós o que somos,
senão envergonhados hoje do que nem vivemos,
indignados e indignos
escrevendo versos para se salvar?


segunda-feira, 30 de outubro de 2017

passagem

e se fosse verdade o que digo,
que se perdeu o áspero do tempo,
que os ventos sobravam de cima para baixo,
que os absurdos escritos fizessem mais sentido
e que fosse mais fácil amar?

como faríamos para me esquecer caso fosse embora?
como certeza não sentiriam a minha falta
mas das minhas palavras, dos meus devaneios,
sentiriam falta do real,
invenção de matar,
machucar quem sou,
quem me machucou,
sentiriam falta do que mais sentem falta,
dos órgãos internos
(e que estes nunca falhem
que ainda tenho o que fazer neste mundo).

e se fosse verdade o que digo,
que os verbos mandam em nós,
os imperativos,
as notícias mandam em nós,
o medo,
os membros inferiores,
o barulho de tiro,
a mordida do monstro.

seria engraçado se fosse verdade o que digo,
que enquanto escrevo
morrem gentes,
ignorados por mim,
cansados de mim,
e sangram enquanto me desespero
dentro do apartamento.

que revelador eu seria
se fosse verdade o que digo,
que as pessoas vissem na verdade o caminho certo,
que o som guiasse pelas ruas
aqueles que delas se alimentam.

fiquei pensando todo esse tempo:
e se fosse verdade o que digo,
poderia dizer "te avisei"
ou nos veríamos desse lado da ponte?

terça-feira, 24 de outubro de 2017

fausto

I
se hospedava em motéis baratos
na esperança de ser convidado aos quartos mais animados
porque não sabia como amar.

II
certa vez havia se esquecido de pagar a conta
e no apagão,
percebeu que já vivia sem luz há muito tempo

III
viu seu pai se levantar do sofá com dificuldade
assim, se deprimiu com a falta de força dos próprios joelhos
e decidiu comprar mais leite.

IV
no primeiro copo de cerveja vomitou.
olhou em volta, não tinha ninguém,
pediu outro copo, envergonhado e desgraçado dos próprios vícios.

V
foi ao médico
e prontamente se convenceu
que o doente era ele.

VI
olhou a mulher no ônibus,
riu-se de sentimentos primitivos,
voltou a dormir e sonhar com a mulher do ônibus.

VII
o número da sorte era 27,
como já havia passado dessa idade
atribuiu o câncer à numerologia

VIII
contemplem o nascimento do meu primogênito
e a morte de minha mulher.
(não sei nem ligar a máquina de lavar)

IX
começo a buscar meus óculos tateando ao redor,
lembro que estão nos meus olhos
e choro pela cegueira e velhice.

X
nem tudo era tristeza.
no segundo verso me calo,

no terceiro, tanta beleza.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

não tem título, mas tem amor

me visto de gestos imperceptíveis 
pra disfarçar o nervoso
tudo é novo
e eu suo,
é evidente que suo,
por trás das minhas perspectivas há o desespero 
de não querer.
por trás dos ombros eles vem e vão,
quem sou eu nessa confusão,
um instrumento do acaso (já ouvi isso em algum lugar),
um termo numa equação indecifrável.

me invisto em roupas caras e presença,
o sorriso falso até os lóbulos,
uma expressão terrível,
um copo de uísque tremendo enquanto ouço o conjunto de jazz,
ela vem,
inabalável,
o cabelo esvoaçante,
câmera lenta, não é filme,
não tem vento,
vem descalça
descansada,
ao luar.

eu olho pra mim mesmo
já me arrependendo.
bebi demais,
sofri demais na vida,
me tenho em grande estima demais,
humildade, não tenho,
terra plana, acredito,
alienígenas já vi,
chupa cabra,
etc,
quem iria imaginar isso,
ela professora,
mestrado, doutorado no exterior,
os caralho,
eu na firma,
junior,
senior,
demitido pelo tempo,
talvez tenha feito muito pouco caso dela.

ela ali, olhando pra mim, incrédula, aposto.
é isso mesmo? o gordo, meio calvo, no bar?
ela pensava tudo isso,
“não acredito que meu samba só dependa de você”
ela falou rindo e eu agradeci aos deuses por conhecer joão gilberto
me faz parecer menos imbecil aos olhos daquela deusa.
àquela altura eu ria, e o papo rindo “saudade fez um samba em seu lugar, benzinho”,
ganhei, achava, nem lembrei dos tempos que eu tinha pandeiro.

a noite acabou feito a cerveja,
ainda tocavam samba de orfeu quando eu falei que ia pegar o carro,
o cheiro dela em mim, 
todo em mim,
só tinha ela na vida agora,
mais nada.
arrumei briga,
bebedeira,
subi ladeira
fui atrás,
briguei,
dei mais de mim,
pedi mais,
levei o sorriso dela onde fui
sem querer saber se tinha fim,
aí quando ela for embora eu não me pergunto
se eu fui também,
ou fiquei sem mim.
depressão

olho pros lados e vejo livros não lidos e poeira
a minha vida desacelerou na cinemática e os trens estão em colisão,
alta velocidade.
o impacto é inevitável e mortal.

o impacto pode ser eu, mas não sei,
ainda não cheguei lá.

olhar

o silêncio é minha maior arma.
não tenho muito mais a dizer depois disso,
só que penso demais,
e assim me faço entender nas rodas de conversa
quando não entendo do assunto abordado
e tenho a honestidade suficiente em mim para não emitir som
algum.

quatro de outubro

finalmente,
eu posso sorrir novamente.
de um tempo pra cá não sei,
parei no tempo,
não sentia mais prazer nas coisas
nos beijos dos meus sonhos,
nos sonhos que me beijavam todas as noites,
as conversas com estrelas de cinema,
tudo me fazia sentir incompleto.

agora não mais,
posso escrever mais que duas estrófes,
posso ajudar o mundo a ver a beleza daqueles momentos
desgraçados em meio às polêmicas.
posso me utilizar de acentos circunflexos sem medo de errar,
a ignorância é a minha coragem,
finalmente posso sorrir novamente.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

imensidão

eu não tinha o que dizer,
perguntei porque pra vida
era tão vazio,
sozinho,
deselegante.

eu tinha ideias
velhas,
cuecas e meias velhas,
meias verdades velhas,
e copos meio cheios.
mas quis o tempo que as perdas
e ganhos fossem me intimidando,
era tudo muito incômodo,
incomodando meus medos e modos,
fui me transformando, um belo dia, era quente,
as ruas movimentadas, os carros, o vento soprava,
os velhos jogavam suas inseguranças nos caixas de banco.

dentro de mim nada mudava, eu era calado e solteiro, na alma de moço, era um estorvo pra mim mesmo, sufocava, alinhava a desesperança e o alcoolismo.

mas os pássaros e todo o resto mostravam que não precisavam de mim.

e eu só soube sorrir diante das coisas simples.