recuperação
tenho pensado muito em não morrer.
eu tenho muito o que realizar,
tive um ataque de pânico numa livraria
ontem
muitos livros pra ler
vai que eu morro amanhã
chego no umbral
a alma imunda
e ainda ignorante!
os anjos todos literários,
falando galego,
trovas entoando
e eu ali,
sem entender Gregório de Mattos
sem entender porra nenhuma de
romantismo,
não sabia direito quem era Margaret Thatcher
não tinha visto o último filme do costa
gavras
gravas
graves,
isso é grave, pensei eu em desespero
será que nas casas de cura
tem explicador?
será que eu serei ensinado pelos meus
antepassados
a não parecer ultrapassado?
tenho pensado muito em não morrer
imagina só,
eu com um monte de coisa pra fazer
artes,
musica,
vendaval de informações
que reuni dos mecanismos de busca da
internet,
quando eu chegar lá no nirvana
pegar meu certificado de Buda,
os gordinhos de olhinho puxado vão
comentar que eu não aprendi as funções quadráticas,
que repeti várias vezes o colégio por
causa da maconha,
que esqueço aniversários o tempo todo
que não fui tão engraçado assim.
tenho ataques de ansiedade dentro de
elevadores
e fora deles,
pra cima e pra baixo
não tenho paciência
não sei o que fazer.
seco o suor do rosto nesse momento
funesto,
e guardo o guardanapo.
quem sabe vale alguma coisa
o suor moderno do homem analítico
neurótico
não sabemos nada.
por isso tenho pensado tanto em não
morrer.
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