terça-feira, 30 de outubro de 2012

no escuro

no escuro se escreve tudo
no escuro nós temos tudo o que queremos,
tudo que pensamos, vemos e sabemos,
no escuro me acho todo,
me perco,
meu endereço,
apreços,
e preços,
valores e cores,
dores e temores.

no escuro encontro um lugar,
um lugar todo escondido,
pronto pra eu poder chorar,
e jogar nele luz,
risco um giz no chão e apago com os pés,
tateio, busco lamparinas de razão e lâmpadas de emoção.

não há nada.

no escuro tem brincadeiras,
sexo,
no escuro fazemos festas a beça,
calçamos botas e saímos pela janela,
no escuro inventamos um cotidiano,
travamos duelos e construímos castelos,
fortes,
no escuro não temos medo da morte.
espuma

espuma branca lava teus cabelos,
espuma branca tira os meus beijos,
espuma branca lava as vaidades,
espuma branca leva meus desejos,
espuma branca limpa tiranias,
espuma branca deixa ideologias,
espuma branca causa minhas manias,
espuma branca me enche de agonias.
espuma branca só me arde os olhos
quando contemplo teu corpo molhado,
tomando banho os dois juntos em casa...

vejo a água lhe descer as curvas, nua,
espuma branca que lava minha'lma
e tu me e
               s
                 c
                   o
                      r
                        r
                           e

                                  a beleza tua.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

acho que...
 
acho que estou recarregando as baterias,
as surpresas do dia a dia,
as acentuações graves e as vozes agudas,
as moças mudas, diante a violência,
as ruas imundas mediante pagamento,
as costas largas devido ao tempo,
e o tempo curto que devo ao trabalho.
 
acho que minha vida se define só,
dois ônibus cheios e eu só o pó,
observando,
tentando me mostrar no esquecimento,
uma vez que sento, entra algum idoso,
uma mulher grávida,
alguém mais cansado,
se não levanto, chamam de malvado!
 
acho que se escrevo, não leio,
se leio,
mal junto as palavras,
as coisas,
uma dislexia moderna de ver sem sentir,
é o problema do povo,
uma flor vira um nojo
num poema moderno e descarado.
 
acho que tenho todo um charme,
cabelos coloridos,
queridos e amados,
armados em dia de chuva,
crespos na umidade,
que saudade das madeixas longas e lisas da semana passada.
hoje a tia da esquina guarda na lixeira do salão.
 
é isso,
simplicidade,
compro pão, faço amizades,
reclamo de dor,
sinto saudades,
aumento o som
para não escutar as vaidades
que me invadem.
 
acho que estou recarregado,
num poema longo te trago,
numa vista ao longe, te vejo,
num poema pobre, te beijo e me apego a um desejo
que me faça bem.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

cabelo

lembro de cheiros, dengos, medos.
lembro de tudo um pouco,
lembro de tarde, lembro de cedo,
lembro de ir pra cama,
lembro de ser ninado,
lembro de estar sendo amado,
lembro de uma vida inteira,
sem eira nem beira sou,
mas beleza pouca vi,
beleza intensa, imensa, tremenda,
beleza linda, tão linda e tão cheia de si.

lembro de cabelos negros como jabuticabas
e você sorrindo pra mim.

a vida só me basta, simples assim.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012


a fisiologia do pensamento

penso não invento,
no mais, não converso,
converto meus temas,
diversos poemas,
morfemas e lemas,
frases de efeito,
carrego no peito ideologias
quebradas, falhadas,
faladas e mortas,
sem luta, na luta
me inverto no inverso
subverto os congressos,
contradizendo defeitos,
tristezas
e vivendo em caretas.

penso não nego,
mas nêgo, não pensa
e negro me vejo,
no espelho me orgulho,
num pulo ressalto,
cultura no trago,
meu olho arregalo,
a olheira do sono,
não perco de vista,
sou nobre artista
a palavra me entrego
de verde, amarelo,
cores vivas,
cores,
eu corro em rios correntes,
preso as correntes e mentes
em estrofes gigantes.

penso e escrevo,
me embaralho, me calo,
me turvo, me fumo, me bebo,
me cravo no peito, na mente os enredos,
me escuto, me minto
me sou verdadeiro,
pensando eu adianto,
falando me esqueço...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

longe é um lugar que não existe

no aconchego das árvores,
sobre as tais copas,
as aves gargalham e temem o homem.
lá no alto, um atalho,
tranquilo, um ensaio,
para a vida e a morte.
alegria e calvário,
um voo secreto.
calminho e regresso,
voltando e virando as
asas ao contrário.

mas que tipo de ave haveria de ser,
e por quê estaria aqui sem dizer?
e de quê seria feito um ser
que não nos desse mais regozijo?
nessa rima horrível,
tanto desperdício,
algo que me dá prazer.

seria eu ave doente,
com asa dormente?
perigo de ser,
asa avariada, perdendo altitude e
caindo em você.