sexta-feira, 29 de abril de 2011

mundo.

dizem que estamos perdidos,
dizem que estamos sozinhos,
dizem que estamos sem terra,
dizem que estamos na terra,
dizem que estamos estranhos,
dizem que estamos sem lema,
dizem que estamos sem hino,
dizem que estamos sem cena,
dizem que estamos banalizados,
também dizem que estamos quebrados,
mas se dizem, esvaziem os bolsos,
e há quem diga que estamos sendo enganados,
dizem que não há dilema,
dizem que na vida, não há ponto sem nó,
dizem que estamos em esquema,
em conluio, em um comboio só,
dizem que não nos misturam,
com certas raças, cores e certezar,
mas minha raça é a dos poemas,
e carrego em cores as tristezas,
de quem não tem certeza de mais nada,
mas de certezas faz-se andar pra frente,
carregando esse estandarte,
para um mundo sem dó nem pena,
descanso a pena e hoje já sem prumo,
digo, em meus sonhos que irei descansar,
começo um poema sem um rumo,
mas com a rima eu vou terminar.
período

não sei o que escrevo.
me sinto cruel demais, escuro, turvo,
em cima do muro, em trevas, cantando aos quatro ventos,
venenos, ventosas, loucas, nossas,
como são nossas as esperanças!
quem espera, nada alcança,
aumenta a pança e as dores,
de cabeça e de amores,
de tristeza e só.

não sei o que faço,
não tenho quem dê um abraço,
me invento, escasso,
problemas demais,
cinema demais,
a vida estranha demais,
eu quero paz,
mas só um pouco,
não tanto assim,
que de tanta paz morre um desavisado,
de tantas atribulações,
morre, sem tempo, um sonho.

que sonhos são esses meus que não morrem,
nem se realizam,
procuram só abrigo,
algo que lhes dêem sentido,
algo que me queira bem,
então vem cá, amor,
e juntos nos apaixonemos por nós mesmos,
sem ter nem de direito,
aquilo que nos quer também.

terça-feira, 12 de abril de 2011

antigamente

antigamente me sentia estranho,
sem cor, sem desejo,
antigamente não sentia gosto,
nem mesmo o gosto do beijo,
sempre entrava em confusões tremendas,
aquém da minha compreensão,
quando saía, pior a emenda
de quem me pôs nessa situação.

antigamente eu me sentia fraco,
jogado, exposto, cuspido ao chão,
não tinha forças para um abraço,
um afago, fosse, um sorriso, um não,
quisera eu estar tão de repente,
sempre contente em uma só razão,
quiseras tu fazer de mim carente,
sem teus amores, num só coração.

antigamente eu me fazia eterno,
que perdurasse na memória tua,
sempre que olho pras estrelas berro,
teu nome em minha mente sempre nua.
e agora entendo que já não consigo,
deliberadamente já me esqueço,
o que um dia fiz, te dei abrigos,
pra rejeitar de novo o que ofereço!


terça-feira, 5 de abril de 2011

minha vida com carlos


O clima de Minas ia melhorando aos poucos. Do calor quase insuportável de dezembro até o friozinho de gelar a coluna e não deixar a gente sair da cama, com um medo danado de se resfriar, em julho. Era assim no Brasil todo. Era assim na minha amada Itabira.

Eu nunca tive mãe, e desde que tive idade para trabalhar, eu nunca tive pai. Conheci cedo a maldade dos homens, tendo eu mesmo ainda pequeno cometido várias delas, mas não queria nem saber. Eu era itabirano, forte, e tinha que sobreviver, nem que encontrasse ainda muitas pedras no caminho, embora minhas retinas não estivessem lá tão fatigadas assim. Eu não amava ninguém, e o personagem principal da minha vida ainda não tinha entrado na história.

Tinha largado a escola pra ganhar o mundo bem moleque. Mundo esse que não passava de Belo Horizonte de carona em caminhão de transportar galinhas. Mas isso me ajudou a ver o mundo de outra forma. Sem educação a gente aprende as malícias do destino e acaba conhecendo mais as pessoas, tomando rumos. E assim foi.

Se os bondes tilintavam abafando o calor e o vento, esse me trouxe alguém pra amar, mas ainda que o próprio amor. Às vezes um botão, às vezes um rato, nesse caso um homem. Eu mendigava comida, cachaça ou pedaço de pão velho no auge dos meus dezessete anos e já tinha sido preso algumas vezes por crimes não violentos. Os que me conheciam da rua me chamavam de “ Luís Fracote” e tamanha era a tristeza em mim, que nem mais queria admitir vida. “ inútil você desistir ou mesmo suicidar-se “, disse o homem na primeira vez que seus olhos encontraram-se com os meus. Não pude acreditar como era inusitado e velho, o seu corpo chamando a atenção, curvado. Resolvi aceitá-lo como alguém confiável, sendo eu, mesmo assim, mais esquivo que um gato assustado. E ele me aceitou como alguém reparável, que podia ser consertado. E assim foi.

“ Não há muitos jantares no mundo”, pensei eu. Não no meu mundo, onde a delicadeza dava lugar à miséria e de nada adiantaria o velho senhor dar-me toda a comida que tivesse, pois no momento em que saísse dali, a fome voltaria. A fome era meu estado de espírito. “ Há uma cidade em ti que não sabemos”, disse ele após o jantar. Ele descobrira uma Itabira em mim que ainda não havia visto em nenhuma viela, porta aberta ou o que quer que fosse. Eu era a flor que nascera na rua, feia, mas ainda assim uma flor. E ele sabia dizer coisas que amoleciam meu coração de asfalto, e minhas pétalas outrora fechadas como a pureza da alma e todas as lembranças violentas que na verdade nada diziam, se abriram e foram alçar voo numa viagem patética para outro lugar que não perto de mim. Ele, o velho Carlos, dizia que me daria algo para a vida toda, para guardar. Nada cruel ou obscuro e sim alvo como um passeio na neve tão distante. O meu querido Carlos me daria conhecimento. Itabira era um deserto e agora parecia uma viagem em família. E assim foi.

Livros, cartas, geografia, coisas divinas que eu nem sabia o significado foram mostradas a mim como manda a cartilha e ainda mais. O poeta, funcionário público, geógrafo, professor, farmacêutico e dentista, me ensinou seus ofícios e finalmente eu era alguém. Vi com ele os períodos da idade da terra, a antiguidade, a maldade dos homens ( que eu achava que conhecia mas, que horror! ), a idade da crise e o verdadeiro poder das palavras. Sim, Carlos sabia usar as palavras para o amor maior, e dizia que o amor verdadeiro não tem tradução, e se escreve com letra maiúscula, pois está muito além de sua própria significação.

O mundo era tão inválido quanto minha vida fora um dia, um descarte, um câncer, uma felicidade invertida. “O mundo não vale o mundo, meu bem”, ele repetia e repetia, até mesmo quando a tosse vinha e eu voltava pras ruas, rezar por ele como um filho chama pelo pai. Diga a ele que é culpa de alguém e leva um cascudo daqueles!. Dia desses perguntei:

- Vô Carlos, mas desde que o mundo é mundo, é que tem maldade né?

- É sim, meu filho, o que tem isso?

- Isso é tudo culpa da falta de vergonha dos homens!

- E você o que sabe dos homens? O mundo não vale a pena, mas não cabe a nós julgar. Estamos todos juntos sob o mesmo teto de vidro, cuide de si mesmo, olha para seu umbigo, e contribua com idéias, é isso que faz desse mundo um pouco melhor.

- Sim, senhor, eu respondi, mas ainda era novinho pra entender aquilo tudo com clareza. Hoje sei que o vô Carlos tinha razão. O mundo não tem tanta maldade assim. Só pouca gente de cabeça cheia e um bando muito grande de cabeça vazia. O mundo é talvez, e só isso, quem tiver certeza debruça mas nada alcança.

Esse tipo de diálogo ia aumentando o nível a cada dia. Eu cresci e o vô Carlos virou seu Carlos. E só Carlos depois disso. Não queria entender que a tosse um dia o levaria embora, antes mesmo da velhice. Não aceitava que não poderia mais vê-lo amaldiçoando o bendito leiteiro da rua Namur, por nunca aparecer na hora do café, coisa que ele não fazia tempos antes, quando achava que o barulho nada resolve. Eu dizia que ele era um senhor que acorda, resmunga e volta a dormir. Ele sorria e respondia coisas como “Pois é possível? Pergunto aos jornais, todos calados!”, e eu não entendia. A mente de Carlos era muito aguçada para um ex menino de rua que agora era recém formado em Direito, pudesse entender .

E eram onze horas da noite.

Agora eu morava no calor do Rio de Janeiro, quis me distanciar muito dele. O medo dele, o medo da morte. O telefone toca em Vila Isabel e a próxima coisa que faço é pegar um avião de volta ao paraíso, que só era paraíso porque ele estava lá. O tempo de conhecer mais pessoas, aprender a viver com elas, ajudá-las, já havia passado. Era um corpo sem vida, com mais vida do que os que pairam por aí. Ele era iluminado.

Virou poema com oitenta e cinco, mudou minha vida inteira e seus últimos dias pareceram-se muito com os meus, seus últimos minutos se pareceram com os meus. Seus últimos suspiros eram os meus. O amor, o vento, Itabira, as moças, à morte, Maria Julieta, tudo se confundia no balançar das folhas. O silêncio era tão global e logo o mundo escureceu antes de nascer uma estrela. Eu não estava preparado.

Mas o que se passa afinal? Com todo o pranto que lancei por tantos anos, volta, enfim, a tristeza de outrora, o grande vazio como se sua influência de nada adiantasse em meu coração esburacado por sua ausência e ao mesmo tempo batendo forte com sua presença.

Agora, ainda mais velho, em meu leito de horror e dor, chamo por ele em delírio e choro. Choro tanto, meu Deus. Mas o que se passa? Agora em meus últimos momentos, posso com certeza afirmar. Tudo. O mundo, sim, vale a pena, mas só porque ele esteve lá. Sua essência em mim, protegendo contra a ignorância tão comum e ordinária, como se fôssemos um só. Então pare. A vida acabou. Ou talvez tenha sido somente ilusão.

E assim foi.

poema escrito sob a antiga porta de carvalho riscado

tenho um mundo de incertezas,
caretas, pequenas mesas,
presas e entrevadas,
entrevistas,
pessoas mal amadas,
aniquiladas por dentro e por fora,
outrora felizes querendo morrer.

a dignidade se vai em cada esquina,
e o momento é encerrar-se,
iniciar-se como homem,
aos que somem,
se escondem,
ainda que montem um cavalo branco de esperança,
quem se alcança em sua sombra,
furando a onda da vida,
se dar ao vento e ler a beleza
de véu e burca.

de um jeito ou de outro,
um trevo, um morto,
um tempo, um desgosto
de julho à agosto,
um simples, composto
de um bem querer,
se dar, se abater,
lidar, se opor ao por-do-sol,
em prol do amor,
viver sem ver o tal,
a alegria,
irradiar,
infinitivo,
sorriso de ver amor sem cor,
sem dar nem receber.

profundidade,
olhar nos olhos e ter,
entrar nos sonhos e confirmar
sem entender aquilo,
sem medo de perguntar.
por que isso acontece?
temos que ler coisas desse jeito?
ao menos impondo respeito
consigo não ser em vão.

e perdurar, e perdoar,
mesmo sem um pingo de dignidade.
mesmo sem um pingo de mim mesmo pra contar.
ligação às nove e reflexão de uma vida inteira

estava jantando,
alguém me ligou,
sei lá,
tentou conectar,
fazer conexão,
e nada adiantou.
estava ligando e não pôde atender,
nervoso que estava mandou avisar de janta,
conheço tuas manhas e travas,
entraves, mordaças que não te fazem outra coisa
senão manter pensamentos desordenados.
desagrados, abraços,
coisas que nem sei dizer,
ainda que pensasse um monte,
não saberia o quê digo,
e rindo termino,
escrevo,
sozinho,
uma razão só que me dê,
abrindo caminhos,
ligando e tentando
minha alegria então reaver.