segunda-feira, 30 de outubro de 2017

passagem

e se fosse verdade o que digo,
que se perdeu o áspero do tempo,
que os ventos sobravam de cima para baixo,
que os absurdos escritos fizessem mais sentido
e que fosse mais fácil amar?

como faríamos para me esquecer caso fosse embora?
como certeza não sentiriam a minha falta
mas das minhas palavras, dos meus devaneios,
sentiriam falta do real,
invenção de matar,
machucar quem sou,
quem me machucou,
sentiriam falta do que mais sentem falta,
dos órgãos internos
(e que estes nunca falhem
que ainda tenho o que fazer neste mundo).

e se fosse verdade o que digo,
que os verbos mandam em nós,
os imperativos,
as notícias mandam em nós,
o medo,
os membros inferiores,
o barulho de tiro,
a mordida do monstro.

seria engraçado se fosse verdade o que digo,
que enquanto escrevo
morrem gentes,
ignorados por mim,
cansados de mim,
e sangram enquanto me desespero
dentro do apartamento.

que revelador eu seria
se fosse verdade o que digo,
que as pessoas vissem na verdade o caminho certo,
que o som guiasse pelas ruas
aqueles que delas se alimentam.

fiquei pensando todo esse tempo:
e se fosse verdade o que digo,
poderia dizer "te avisei"
ou nos veríamos desse lado da ponte?

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