sexta-feira, 25 de novembro de 2011

centro de tudo


nessas andanças pelo centro da cidade,
encontrei um rapaz bêbado.
não sei se bêbado de desejo ou de cerveja,
sei que estava sujo e maltrapilho,
rasgado e malvado,
malcheiroso e gritando sobre socialismo.
o que me deixou mais preocupado eram suas intenções.
como saber?
jamais saberia,
nada sobre ele,
sua vida,
suas posições sobre o tempo,
conhecer seus amigos.
que amigos,
podem pensar vocês,
que o deixariam daquele jeito,
dormindo na Tiradentes,
com garrafas e baratas em volta?
esse era o retrato do rio de janeiro.


se pensarmos bem, quem somos nessa cena?


continuei olhando para ele,
preocupado com minha integridade,
meus princípios,
eu um verdadeiro intelectual,
ele um lixo.


uma brisa estranha me alcançava o pescoço,
e ele me deu um beijo,
não vou dizer onde,
mas me deu um beijo,
queria avançar em mim,
viver minha vida, mesmo que por pouco tempo ser eu.
quis em um beijo me descobrir,
me amar e me desesperar.


era só um bêbado,
mas dei-lhe um empurrão que o jogou longe,
longe de minhas roupas caras,
longe de minhas indagações,
longe de minha sexualidade.
jogo um dinheiro em cima dele,
como se fosse um pobre querendo um pão,
com a dignidade no chão e o chapéu na mão.
judiei dele,
bati nele,
sangrando ele cobria seu rosto,
espelho de tantos,
tantos medos,
de uns e outros que eram também meus.


aquela existência frágil era um retrato,
o ambiente sua moldura,
uma obra de arte.


quando eu ia virando as costas,
deixando para trás um nome e uns sonhos por realizar,
livros por ler
mulheres para amar,
eu percebi uma coisa de relance,
que se eu tivesse dormindo acharia ser um sonho.


quem não era nada era eu.
quem não tinha nada,
quem não sabia de nada,
quem era cheio de si,
mas por dentro, 
era o vazio dos outros,
morto.
louco.
quem sabe até esperançoso.
de que um dia a vida de alguém ia mudar.


mas eu não podia me calar,
nunca me calaria.
mas na próxima vida,
dessa não levo nenhuma herança,
e nem das diversas vidas que vi passar diante de mim,
e me deixarem pra trás.

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