segunda-feira, 27 de agosto de 2012

uma casa em Frankfurt, um olhar do mundo

frente ao espelho vejo tudo o que vejo,
desejos, maus gostos, medos,
cabelos dóceis em dias de treva,
cabelos, nervos em dias de enterros.
tremendo fico de pé na varanda
à contemplar coisas mais sem sentido,
ouvir de perto gritos e ruidos,
ver de relance aquilo que me mata.

sobre as muletas um chão cor de fogo,
sobre as palpebras um mundo de muletas,
pesando nas ventas, marejando os olhos de velho.
entre as pernas entreabertas, arqueadas por doença, um cão,
bicho leal e são, ainda novo.
e lá fora os cães se matando aos poucos,
diz que é pelo povo, ou por religião.

frente a poltrona, um assento vazio,
sinto um arrepio que estremece o vão
entre a consciência e o passado.
não lembro, pois vago,
conhecendo ou não,
finjo ver, ter, até ser,
verbalizar e usar as palavras.
um chinelo velho,
preconceitos,
trejeitos de soldado idoso.

não quero essa história de homens com momentos sexuais com outros homens,
beijos, carícias amores,
me dão pavores de mãos dadas por aí.
e se?
é o contrário de e se não?
os negros hoje tomam conta de tudo,
empresários,
mal dormidos,
Mários, Valdomiros,
Pedros e Cirilos,
nomes e vagabundas em suas camas.

na certidão vejo Franz, no uniforme Hermann,
tremo de pensar em Ada,
que a febre me levou embora,
pensando só nessa hora,
uma lágrima caiu.

de que me vale quantos homens sofreram de minha faca o corte?
quantas mulheres sentiram meu membro forte,
quantas vezes ainda terei de pensar em Ada?

vi sangue e lágrimas,
e prometi a mim mesmo que novamente
não veria sangue e lágrimas.
prometi a mim mesmo muitas coisas.
prometi jamais morrer
prometi jamais perder,
prometi jamais ser vulgar,
prometi jamais amotinar,
esbofetear,
procriar,
aceitar,
tolerar,
não mais matar
nem olhar pra trás.
o tempo passa depressa demais
pra quem não tem pr'onde ir.
as pessoas pensam que é o contrário, mas não.
quando se tem tempo pra olhar em volta,
não bater mais as portas,
não gritar.
o tempo voa e não tem como voltar atrás.

o resto é só dor,
um teste de uma vida sem cor,
quem sobreviveria?
estampada em meu braço direito
a aranha da morte,
de quatro patas, cruzadas em cruz
toma o meu corpo inteiro,
me tinge de preto
me asfixia,
me toma de assalto e me anuncia,
um mundo renascerá.

onde aranhas e bichos peçonhentos
não passarão de poeira histórica
batendo à minha porta,
um vendedor chato
querendo arrumar confusão,
mas que seja sem isso
e eu viva de pão, não ódio de quem nem conheço,
os poucos anos que ainda me restam...
não me resta nada, então.

entro em casa, abro o armário,
busco minha velha arma e um pano,
começo a deixá-la brilhante, reluzindo como em outros tempos mais difíceis,
guardo o pano, puído,
o líquido enegrecido e tudo,
sento na poltrona, coloco as muletas de lado,
tiro o chinelo e desligo a caixa animada.
não gosto de ouvir vozes que não estejam perto, que não posso olhar no olho.
abro o robe, fico de cuecas, o cetim é inútil e o calor intenso.
apalpo o peito, dores estranhas,
tento dormir, não consigo, o cão latindo, nada o faz parar.
a sala roda, e volta a rodar depois de uma dose.

não...
definitivamente não mais,
não quero mais ser...fazer...
não...
não quero...
por favor...
não me obrigue, não...

acordo de um sonho ruim,
breve, mas suficiente.

aborrecido olho no relógio,
venho a sentir um cansaço incomum.
tendo ou não coisas a deixar, pra quem?
não tenho, porém,
no pente seis balas,
na mente acabada
não levo ninguém.

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